quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Ela, ao se deitar, levava sempre a garrafa azul de água, que colocava ao lado de sua cabeça na cama. Dormia com tranquilidade, embora ele não saísse de seus pensamentos. Ao mesmo tempo que a aterrorizava em sonhos - aquele onirismo diabólico simbolista, que, sinceramente, não cola nas experiências cotidianas - também a silenciava. Suas manhãs, que eram mais do que estressantes num ambiente que tornara-se um tanto quanto godforsaken, eram esquecidas quando lembranças daquele delicado sorriso, impecavelmente limitado por lábios suaves, que tanto acariciavam quanto sugavam sua alma, apareciam. Passava horas analisando a geografia de um corpo, que mesmo humilde, a marcava tanto. E assim, gastava as horas do seu sufocante dia. Sua mente não mais se distraía. Ela, sem saber se vivia uma situação recíproca, não se preocupava com o reflexo do amor oferecido, mas sim com a forma que esse poderia ser entendido. Não poupava olhares, mas faltavam-lhe palavras. Sua dificuldade em declamar "eu te amo" ainda não fora compreendida. Ela, sempre tão ojetiva, tão certa e cheia de si, tão segura de si na noite e tão sem forças de dia. Ela, tão frágil, doce e meiga, não expressava um simples sentimento da condição humana. Talvez fosse embarreirada por um mais forte. Esse sim, não mediria esforços para detê-la. Enfim, seguia. Com a cabeça de uma mulher que não pode abandonar sua criança. Porque era assim, educava, explicava da vida - "la vie est belle". Mostrava-se disposta a curtir todos os momentos da forma mais intensa possível, mas nunca ia além, sempre com um mero "pára". O que ele não sabe, é que ela, sempre tão ela, tornava-se só mais uma em sua presença, e isso a incomodava. Devia ser isso. Certamente era isso. Egoísta. Não queria dividir e nem ser dividiva. A vida, um tanto quanto bem aproveitada, era sua descoberta. Momentos de êxtase total escondidos. Amores em vermelho e aventuras emocionantes fechavam-se dentro do mundo dela, um mundo que ninguém era capaz de conhecer. E que ele, que já fazia parte do mundo, que já tinha tomado conta de repente, ela tentava expulsar. Esforço em vão. Ele já estava lá, disposto a segui-la, contempla-la, magoa-la, isso já se espera. E esse egoísmo, essa dor de querer ser feliz sozinha, que a impedia de seguir adiante. Em pensar que durante todo esse tempo a culpa fora dele. As desculpas foram dele. Mal ele sabe onde ela esteve no último sábado. E assim, meio culpada sem culpa, ela foi se deitar, sem a garrafinha azul, com ele.

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